O ovo do ornitorrinco

by Ludmila Costhek Abilio

Passados dez anos de junho de 2013, parecem restar mais perplexidades do que respostas. Rapidamente nos deslocamos do Brasil-que-ia-finalmente-dar-certo para o será-preciso-décadas-para-recuperar-o-prejuízo.  A imagem de 2013 que volta agora é a das ruas, mas também daquele gigante imenso de pedra que surgia da paisagem do Rio de Janeiro e saia andando sem ver onde pisava. A mensagem da propaganda de uísque parecia mais adequada do que a imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete, como retratou a The Economist. Naquela década, o keep walking podia ser compreendido pelo o que André Singer definiu como reformismo fraco1SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo : Cia das Letras, 2012.. Em suma, sem tocar nas desigualdades profundas que estruturam a sociedade brasileira, o modelo de desenvolvimento em curso resultava em melhorias de vida significativas para grande parte da população. Seus principais elementos eram a redução da pobreza, redução das taxas de desemprego, aumento do emprego formal, um inédito aumento real do salário mínimo e aumento do potencial de consumo das famílias brasileiras, alavancado também pela massiva extensão do acesso ao crédito. As mudanças corriam articuladas com elementos atuais do ser periferia num mundo financeirizado e digitalizado: a nação cumpria seu papel de plataforma de valorização financeira, como definiu Leda Paulani2PAULANI, L. Quando o medo vence a esperança. Um balanço da política econômica do governo Lula. Crítica Marxista 19: 11-26, 2004.

A marcha do progresso é a imagem que paira sobre nós, periféricos. A marcha do gigante se apresenta de diversas formas de acordo com os momentos históricos tupiniquins: como ameaça, horizonte, impossibilidade. O desenvolvimentismo saiu do baú onde havia ficado guardado por algumas décadas, elementos como o PAC e a massiva ampliação da participação da população no mercado consumidor sustentavam perspectivas sobre um neo-desenvolvimentismo, social-desenvolvimentismo, um keynesianismo à brasileira, entre outras definições. Todas elas tinham de enfrentar o fato de que o crescimento econômico, o aumento do emprego e da renda não estavam de fato atrelados aos pilares da industrialização, que orientaram os modelos e sonhos intensos de desenvolvimento, seus impasses, fracassos e críticas ao longo do século XX. O gigante desperto era feito de soja, minério, boi, e outras commodities tropicais. 

No início do milênio, Francisco de Oliveira resumia a ópera na figura do ornitorrinco3OLIVEIRA, F.  Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo : Boitempo, 2003. Aquele bicho estranho, formado por diferentes tempos históricos, inspirava a atualização das nossas persistentes dificuldades em definir o que éramos e poderíamos ser, mas mais do que isso, parecia apontar para a impossibilidade da continuidade da reprodução das dinâmicas que constituam o próprio subdesenvolvimento como tal. Em outras palavras, o keep walking parecia não ter para onde ir. “O ornitorrinco é isso: não há possibilidade de permanecer como subdesenvolvido e aproveitar as brechas que a Segunda Revolução Industrial propiciava; não há possibilidade de avançar, no sentido da acumulação digital-molecular (…) Restam apenas as acumulações primitivas…”4 OLIVEIRA, F.  Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo : Boitempo, 2003, p.149. A ilusão do catch up se esfumaçava definitivamente. A financeirização engolia os direitos sociais e os fundamentos inalcançáveis daquela triangulação específica entre capital, Estado e trabalho que formou o Welfare, como os fundos de pensão. O assalariamento, pilar da sociedade salarial, deslocava-se agora para a informalidade e a informalização, finalmente reconhecidas como regra, em uma exploração do trabalho globalmente organizada e transformada pela “revolução molecular-digital”. 

Da “nova classe média” aos “novos pobres”

No modelo de desenvolvimento das gestões do Partido dos Trabalhadores, nasceu um filhote de ornitorrinco, a “nova classe média brasileira”5 NERI, Marcelo C. A nova classe média: o lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro:  FGV/ CPS, 2010, SAE. Assuntos estratégicos: social e renda, a classe média brasileira. Brasília : SAE, 2014; e SAE. Vozes da nova classe média. Caderno 3. Brasília : SAE, abril de 2013. .Tratou-se de celebrar de forma obscurecida as melhorias promovidas naquela década. Distante do padrão de vida da classe média6QUADROS, W. Paralisia econômica, retrocesso social e eleições. Plataforma Política Social, 2015. Disponível em http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2015/01/TD_WaldirQuadros012015.pdf, a definição governamental se referia às famílias brasileiras que finalmente adquiriram a geladeira nova, que conseguiram colocar acabamento em suas casas, que viram seus filhos, jovens e negros, acessarem o ensino superior privado. Como resumiu Fernando, entrevistado em novembro de 2013, tinha 48 anos, era motoboy há 16: 

Hoje eu posso dizer que eu sou da classe média, hoje eu posso comer… hoje eu durmo…como que é a piada… hoje eu sonho, antes eu nem dormia. A gente tem hoje uns barraquinhos pra gente morar que é da gente mesmo. É nosso mesmo. Moro na Parada de Taipas, é zona Norte. Hoje a gente tem o cantinho da gente, tem a família amparada, tem um carrinho usado, mas é da gente. É comprado, conseguimos pagar o financiamento, é quitado. Coisa que a gente não tinha acesso, era muito difícil. Eu costumo brincar com o pessoal, fiquei praticamente 16 anos sem ir no Nordeste visitar, agora até de avião eu já fui… Praia, pra gente que morava aqui em SP, principalmente a gente que já era do Nordeste, era piada para nós, falava vamos pro Ibirapuera que é praia de paulista, chegava lá era a praia do povão, o pessoal disfarçava. Mas é para você ver, hoje, pintou um feriado o mundo acaba, você chega lá embaixo, o mundo, o Brasil inteiro tá lá. Você começa a conversar, vai ver de onde é, Norte e Nordeste”. 

Esse período apresentou uma enorme expansão do mercado consumidor, que andava junto não apenas com o crescimento dos rendimentos advindos do trabalho, mas com a inserção financeirizada. Parte importante da população, que mal tinha conta bancária, passava a contar então com o acesso fácil ao crédito e uma ampla bancarização. Direitos sociais nunca universalizados chegavam na forma de serviços privados popularizados e bens de consumo, agora acessíveis para um público que não sonhava até então em fazer como a verdadeira classe média faz, pagar pela saúde, pela educação, trocar o ônibus pela moto, ter cartão de crédito e carro na garagem. 

Em poucos anos, a “nova classe média” se tornou os “novos pobres”7G1. Brasil terá até 3,6 milhões de ‘novos pobres’ em 2017, diz Bird. Março de 2017., arrastada por uma regressão social que já dava sinais em 20148QUADROS, W. Paralisia econômica, retrocesso social e eleições. Plataforma Política Social, 2015. Disponível em http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2015/01/TD_WaldirQuadros012015.pdf e QUADROS, W. & FACHIN, P. Está em curso um retrocesso social em cascata. Entrevista especial com Waldir Quadros. Entrevistas IHU Online, 2015. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/541562-esta-em-curso-um-retrocesso-social-em-cascata-entrevista-especial-com-waldir-quadros . Deslizou do acesso ao crédito ao endividamento, da favela holding ao auxílio emergencial, do primeiro emprego ao bike boy, do Prouni ao Uber. As conquistas daquele estrato da população — que em realidade abarca a maioria dos brasileiros – foram embora mais rápido do que chegaram. 

A “nova classe média” foi para as ruas em 2013, em 2015 para apoiar e derrubar Dilma, em 2018 e 2022 para votar tanto em Lula quanto em Bolsonaro. “Os novos pobres” também foram à Brasília em janeiro de 2023. Assim como o governo obscureceu que a classe trabalhadora brasileira é composta em sua grande maioria de gente que vive com renda familiar de até dois salários mínimos, parte importante do pensamento de esquerda tende a invisibilizar essa mesma classe. Os descartáveis sociais, a ralé e os batalhadores, o subproletariado, o precariado, foram raramente tidos como protagonistas nos eventos dessa década, por vezes reconhecidos como uma espécie de apêndice de uma verdadeira classe média doida e enfurecida, como massa de manobra de uma elite escravocrata que surpreendentemente não quer lucrar com os novos consumidores, ou, no máximo, rebanho de pastores evangélicos. 

Não era só pelos 0,20 centavos

Dentre muitas coisas, uma espécie de esgotamento popular daquele modelo de desenvolvimento era encenada nas cartolinas de junho com seus dizeres precisos sobre as injustiças e brutalidades sociais contemporâneas. Três anos depois, as escolas de São Paulo seriam ocupadas, numa ofensiva estudantil que deixou nosso atual vice-presidente e nosso “Xandão” de mãos atadas para mais um ataque neoliberal, e que ousou imaginar e viver mesmo que por um breve período uma outra escola. As frases tão sintéticas como o slogan do uísque diziam muito, não sabemos se num pedido por mais Estado ou por menos finanças, mas certamente que por mais justiça e igualdade social. Que justiça, qual igualdade é algo não poderemos enquadrar nas caixinhas do Estado do Bem Estar Social, tampouco nas de um projeto revolucionário, a despeito da potência real de derrubar tudo que está aí que se materializou do dia para a noite em todos os cantos do país. 

Mas para a classe-trabalhadora-nova-classe-média o que havia se esgotado afinal? O susto não foi pequeno, afinal o gigante parecia caminhar direitinho, apesar da crise econômica que já começava a dar sinais. Apesar das reais melhorias de vida, as desigualdades seguiram as mesmas. A concentração de renda não se alterou9 MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H.G & CASTRO, F. A. O topo da distribuição de renda no Brasil: Primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 58, n.1, 2015, p. 7-36.. As desigualdades raciais que estruturam o mercado de trabalho permaneceram intocadas, a concentração da maioria dos trabalhadores nas faixas de menor rendimento seguiu igual10CARDOSO, A. M. Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2013.. Tudo mudou, mas permaneceu no mesmo lugar. No mundo do trabalho, as brutalidades, perversidades e humilhações cotidianas que atravessam a vida de trabalhadores formais e informais seguiram soltas. Com o mercado de trabalho aquecido, o que se transformava era a possibilidade de resistir a elas, de poder recusá-las e transitar por diferentes ocupações, que, entretanto, continuavam tendo sua maioria remuneração de até 1,5 salário mínimo. Negros e negras viram o seu acesso ao ensino superior se ampliar, as batalhas em torno da representatividade ganharem corpo e se materializarem nos telejornais, na boneca negra que antes não existia nas lojas, nas lutas pelo direito a memória e por uma outra história que até hoje disputam de forma doída e freada um lugar nos livros didáticos, nas salas de aula. Mas a matança seguiu, o esfolamento cotidiano seguiu, nesse país em que até mesmo o apartheid social é informalizado, mas muito bem organizado e institucionalizado.  

Da revolta à informalização como modo de governo

Naqueles dias de junho vimos em ato como a ação popular poderia derrubar um governo, apesar de não parecer querer tomar o poder. Mas o que veio foi um governo que governava implodindo a si próprio, numa rebeldia agora institucionalizada. Assim como as tradicionais práticas políticas da esquerda, a revolta deslizou para o lado de lá. É difícil fixar a imagem desse espelho tão enigmático, que transforma MPL em MBL, que transmuta defesa da ordem em tarefa da esquerda e derrubada geral na da direita. 

O ovo da serpente que começava a ganhar corpo em 2013 é outro, não o do ornitorrinco que saiu às ruas. Ao olhar, ao longo de sua obra, para a neblina11 OLIVEIRA, F. Passagem na neblina. In: STEDILE, João P.; GENOÍNO, José (orgs.) Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismo. São Paulo : Perseu Abramo, 2000., o ornitorrinco12 OLIVEIRA, F.  Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo : Boitempo, 2003  e a indeterminação13OLIVEIRA, F. Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento. In: Oliveira e Rizek. C. A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007 , Francisco de Oliveira reconhecia essa perda de formas que vai tomando o mundo do trabalho, como parte do aprofundamento da exploração. Quanto menos estáveis, fixáveis e reconhecíveis forem os elementos que compõem o processo de trabalho, mais produtivo ele é.  A gestão de Bolsonaro nos evidencia que a informalização é incorporada como forma de governo, envolvendo técnicas racionalizadas, produtivas, que produzem engajamento permanente e atingem certeiramente as metas definidas. 

A explicação fácil para o Bolsonarismo mira na máquina infernal de produção de fake news. Essa máquina – que envolve muito trabalho humano, diga-se de passagem – nos dá materialidade sobre um quadro muito mais amplo, que se refere aos novos modos de gestão da população. O que está em jogo é um deslizamento difícil de reconhecer e classificar – e esta é sua potência. Ao analisar as jornadas de junho, Jean Tible14 TIBLE, J. Junho selvagem e o ciclo de lutas global Revista Jacobin: https://jacobin.com.br/2023/06/junho-selvagem-e-o-ciclo-de-lutas-global/afirma que por um momento o que se colocou foi a possibilidade de ruptura com o contrato social. Uma ruptura popular. Este é o diagnóstico invertido de Shoshana Zuboff sobre o capitalismo de vigilância, mas a ruptura vem das empresas que hoje oligopolizam a dataficação da vida. Com uma certa saudade liberal, a autora faz o diagnóstico preciso de novos modos de governo que colonizam todas as esferas da vida, e que se assentam em novas lógicas que já não passam pelas relações contratuais que unem capitalismo industrializado e democracia. Da Ford para a Google. A autora vai dizer: “A participação consensual nos valores dos quais a autoridade legitima é derivada, juntamente com o livre-arbítrio e os direitos e obrigações recíprocos, é substituída pelo equivalente universal da tornozeleira eletrônica do prisioneiro15ZUBOFF, S. Big other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação. In: Bruno, F., Cardoso, B., Kanashiro, M., Guilhon, L., Melgaço, L. (orgs.) Tecnopolíticas da vigilância: Perspectivas da margem. São Paulo, Brasil: Boitempo, 2018, p.59

Essas empresas recusam tudo que está aí estabelecendo novas formas de controle e gerenciamento de populações. Com elas se estabelecem fenômenos sociais de difícil explicação, como é possível se apropriarem do espaço urbano, subordinarem milhões de pessoas, criarem novos meios de produção e circulação de informação, convergirem sua extração, mercantilização e gerenciamento de dados com serviços públicos, com o aparato burocrático estatal, sem que passem por qualquer tipo de regulação a priori? Aparecem como mediadoras em diversos campos, mas detêm as regras do jogo. As regras, entretanto, se informalizaram, já não alcançamos como operam, como são definidas, como são produzidas, a que interesses atendem. Já não é o Estado que lhes confere legalidade, legitimidade ou procedimentos que garantem a confiança. É a atividade da multidão de usuários que provê certificações, controle de produtividade e qualidade, modos informalizados de construção da confiança que passam ao largo do Estado. A multidão se engaja e confia no seu próprio trabalho-vigilante, enquanto multidão. São constituídas então legitimidades informalizadas, que concorrem e deixam no chinelo os veículos de comunicação de massa, as universidades e seus representantes, as regulações dos serviços e do trabalho. 

O trabalho dos motoboys transformados em “entregadores” hoje possibilita pensarmos num despotismo algorítmico16ABÍLIO, L. Uberização, autogerenciamento e o governo da viração. Revista Margem Esquerda, n.36, 1º semestre de 2021, pp. 55-69. Issn 1678-7684. Novos modos de controle operam aí, quanto mais informalizados mais moduláveis e permanentes. O gerenciamento algorítmico possibilita o mapeamento individual e da multidão de trabalhadores como um todo, além da dataficação administrada de múltiplas dinâmicas sociais. Trabalhadores just-in-time 17OLIVEIRA, F. Passagem na neblina. In: STEDILE, João P.; GENOÍNO, José (orgs.) Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismo. São Paulo : Perseu Abramo, 2000. 18ABÍLIO, L. Uberização: a era do trabalho just-in-time? In Questões do trabalho • Estud. av. 34 (98) • Jan-Apr 2020: https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLzMyHbgcGMNNwv/ ,despidos de qualquer entrave socialmente instituído para sua exploração, são utilizados de forma racionalizada e eficiente, finalmente reduzidos à pura força de trabalho. Neste encontro entre oligopolização das empresas e informalização do trabalho, desaparecem todas as garantias sobre tempo de trabalho, remuneração, distribuição do trabalho. Fica o engajamento do trabalhador numa relação com regras indecifráveis, mas que definem as condições de sua sobrevivência.  Ao mesmo tempo em que mapeia, o gerenciamento algorítmico induz comportamentos, reconhece e produz previsibilidades, subordina trabalhadores, estabelecimentos e também o engajamento dos consumidores.   

A gestão de Bolsonaro materializou um movimento mais amplo da informalização como modo de governo, que não se restringem à institucionalidade do Estado e que contam com o engajamento popular e essas empresas. O recusar tudo que está aí consistia numa ruptura bem feita, por dentro, dos mecanismos burocraticamente estabelecidos, da legitimidade das instituições legalmente instituídas19 Cesarino, L. Pós-Verdade e a Crise do Sistema de Peritos: uma explicação cibernética.  Ilha, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73-96, 2021.. Entram nessa conta os veículos legais de comunicação de massa20Finlayson , A. Neoliberalism, the Alt-Right and the Intellectual Dark Web. Theory, Culture and Society,  Vol. 38(6) 167–190, 2021, as instituições científicas e seus representantes socialmente legitimados21 Lynch, M. We have never been anti-science: reflections on science wars and post-truth. Engaging Science, Technology, and Society, v. 6, p. 49-57, 2020; Cesarino, L. Pós-Verdade e a Crise do Sistema de Peritos: uma explicação cibernética.  Ilha, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73-96, 2021. e Duarte. D.; Benetti, P. Pela ciência, contra os cientistas? Negacionismo e as disputas em torno das políticas de saúde durante a pandemia. Sociologias. Porto Alegre, 24 (60), p.98-138, 2022. , as instituições e regulações do trabalho22ABÍLIO, L. Uberização: a era do trabalho just-in-time? In Questões do trabalho • Estud. av. 34 (98) • Jan-Apr 2020: https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLzMyHbgcGMNNwv/ . Uma espécie de governo weberiano invertido, que ataca todos os monopólios legitimamente instituídos, inclusive o da violência do Estado. 

O esfumaçamento também atravessa as possibilidades de reconhecer a acumulação, a tornando mais potente e liberta dos freios sociais. E assim bambeamos entre buscar alguma lanterna explicativa entre  o totalitarismo neoliberal e a crise do valor.  Antes do bicho estranho, Francisco de Oliveira utilizou a figura da passagem na neblina23 OLIVEIRA, F. Passagem na neblina. In: STEDILE, João P.; GENOÍNO, José (orgs.) Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismo. São Paulo : Perseu Abramo, 2000. para pensar com o Partido dos Trabalhadores sobre seus desafios políticos frente às transformações do trabalho. A neblina, entretanto, estabeleceu-se como permanência: instaurou-se como técnica de governo, como elemento central do gerenciamento do trabalho, da acumulação e das formas de controle e mercantilização da vida. O outro lado da moeda é tecido por uma “luta de classes sem forma”24GRUPO DE MILITANTES NA NEBLINA. Masterclass de fim do mundo: conflitos sociais no Brasil em pandemia. Site www.neblina.xyz, 2022., que vemos eclodir pelas ruas do mundo nesse milênio. Aí mora sua potência e seus perigos. Como esses dez anos nos mostraram.

NOTAS DE RODAPÉ

  • 1
    SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo : Cia das Letras, 2012.
  • 2
    PAULANI, L. Quando o medo vence a esperança. Um balanço da política econômica do governo Lula. Crítica Marxista 19: 11-26, 2004.
  • 3
    OLIVEIRA, F.  Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo : Boitempo, 2003
  • 4
     OLIVEIRA, F.  Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo : Boitempo, 2003, p.149
  • 5
    NERI, Marcelo C. A nova classe média: o lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro:  FGV/ CPS, 2010, SAE. Assuntos estratégicos: social e renda, a classe média brasileira. Brasília : SAE, 2014; e SAE. Vozes da nova classe média. Caderno 3. Brasília : SAE, abril de 2013.
  • 6
    QUADROS, W. Paralisia econômica, retrocesso social e eleições. Plataforma Política Social, 2015. Disponível em http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2015/01/TD_WaldirQuadros012015.pdf
  • 7
    G1. Brasil terá até 3,6 milhões de ‘novos pobres’ em 2017, diz Bird. Março de 2017.
  • 8
    QUADROS, W. Paralisia econômica, retrocesso social e eleições. Plataforma Política Social, 2015. Disponível em http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2015/01/TD_WaldirQuadros012015.pdf e QUADROS, W. & FACHIN, P. Está em curso um retrocesso social em cascata. Entrevista especial com Waldir Quadros. Entrevistas IHU Online, 2015. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/541562-esta-em-curso-um-retrocesso-social-em-cascata-entrevista-especial-com-waldir-quadros
  • 9
    MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H.G & CASTRO, F. A. O topo da distribuição de renda no Brasil: Primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 58, n.1, 2015, p. 7-36.
  • 10
    CARDOSO, A. M. Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2013.
  • 11
    OLIVEIRA, F. Passagem na neblina. In: STEDILE, João P.; GENOÍNO, José (orgs.) Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismo. São Paulo : Perseu Abramo, 2000.
  • 12
    OLIVEIRA, F.  Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo : Boitempo, 2003
  • 13
    OLIVEIRA, F. Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento. In: Oliveira e Rizek. C. A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007
  • 14
    TIBLE, J. Junho selvagem e o ciclo de lutas global Revista Jacobin: https://jacobin.com.br/2023/06/junho-selvagem-e-o-ciclo-de-lutas-global/
  • 15
    ZUBOFF, S. Big other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação. In: Bruno, F., Cardoso, B., Kanashiro, M., Guilhon, L., Melgaço, L. (orgs.) Tecnopolíticas da vigilância: Perspectivas da margem. São Paulo, Brasil: Boitempo, 2018, p.59
  • 16
    ABÍLIO, L. Uberização, autogerenciamento e o governo da viração. Revista Margem Esquerda, n.36, 1º semestre de 2021, pp. 55-69. Issn 1678-7684
  • 17
    OLIVEIRA, F. Passagem na neblina. In: STEDILE, João P.; GENOÍNO, José (orgs.) Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismo. São Paulo : Perseu Abramo, 2000.
  • 18
    ABÍLIO, L. Uberização: a era do trabalho just-in-time? In Questões do trabalho • Estud. av. 34 (98) • Jan-Apr 2020: https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLzMyHbgcGMNNwv/
  • 19
    Cesarino, L. Pós-Verdade e a Crise do Sistema de Peritos: uma explicação cibernética.  Ilha, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73-96, 2021.
  • 20
    Finlayson , A. Neoliberalism, the Alt-Right and the Intellectual Dark Web. Theory, Culture and Society,  Vol. 38(6) 167–190, 2021
  • 21
    Lynch, M. We have never been anti-science: reflections on science wars and post-truth. Engaging Science, Technology, and Society, v. 6, p. 49-57, 2020; Cesarino, L. Pós-Verdade e a Crise do Sistema de Peritos: uma explicação cibernética.  Ilha, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73-96, 2021. e Duarte. D.; Benetti, P. Pela ciência, contra os cientistas? Negacionismo e as disputas em torno das políticas de saúde durante a pandemia. Sociologias. Porto Alegre, 24 (60), p.98-138, 2022.
  • 22
    ABÍLIO, L. Uberização: a era do trabalho just-in-time? In Questões do trabalho • Estud. av. 34 (98) • Jan-Apr 2020: https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLzMyHbgcGMNNwv/ .
  • 23
    OLIVEIRA, F. Passagem na neblina. In: STEDILE, João P.; GENOÍNO, José (orgs.) Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismo. São Paulo : Perseu Abramo, 2000.
  • 24
    GRUPO DE MILITANTES NA NEBLINA. Masterclass de fim do mundo: conflitos sociais no Brasil em pandemia. Site www.neblina.xyz, 2022.
Ludmila Costhek Abilio
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Ludmila Costhek Abilio

Ludmila Costhek Abilio é socióloga e pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. É autora do livro Sem Maquiagem: Uma Empresa e Um Milhão de Revendedoras de Cosméticos (Boitempo), bem como de diversos artigos que tratam da uberização do trabalho na atualidade. Há mais de dez anos, ela realiza pesquisas sobre o trabalho e a luta dos "entregadores".

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